Autor: Dr. William E. N. Soares*
Durante muitos anos o tratamento standard do câncer era realizado pela cirurgia ou radioterapia. A cirurgia radical ou agressiva tinha como conseqüência a perda da função ou do órgão( exs: mastectomia radical de Halsted, cirurgia de Miles, laringectomia total, amputações de membros, etc). A radioterapia exclusiva ou radical indicava-se naqueles casos considerados inoperáveis ou quando se desejava a conservação do órgão ou tecido e o tumor era bastante radiosensível que justificasse a radioterapia isolada.
“A cirurgia oncológica sempre se associou com ressecções extensas, incisões amplas, retiradas de órgãos, com a conseqüente perda da função. A mutilação estética e a incapacidade funcional, completa ou parcial, deixaram marcas profundas sobre os pacientes com câncer. O preço pago até então se justificava pelo ganho em termos de taxas de cura e sobrevida, quase que exclusivamente ligadas ao tratamento cirúrgico. Nas últimas décadas, no entanto, com as modalidades de quimioterapia e de radioterapia mais eficientes, precisas e diversificadas, com limitada toxicidade, abriram-se novas perspectivas na abordagem terapêutica do paciente oncológico: cirurgias menos extensas substituíram gradativamente as operações do passado, permitindo mutilações limitadas e funcionalidade progressivamente maior, sem prejuízo nas taxas de cura e da sobrevida a longo prazo.”
Sabemos que cirurgia e a radioterapia em alguns casos competem pela melhor indicação de tratamento exclusivo e na maioria destes casos apresentam resultados semelhantes de cura. Em outros cânceres, como por exemplo o câncer de mama, a experiência demonstrou que nos casos iniciais a associação de cirurgia menos radical e radioterapia menos agressiva, usados conjuntamente, oferecem excelentes respostas, com preservação da mama e bom resultado estético.
Recentemente, o tratamento chamado Radio-quimioterapia sincrônica, notadamente nos tumores sólidos e em especial nos carcinomas, tem-se revelado uma modalidade terapêutica muito interessante e que vem ganhando novos adeptos em todo o mundo científico.
No carcinoma anal, os excelentes resultados publicados por De Nigro e colaboradores com a associação de radioterapia e quimioterapia ( mitomicina e fluorouracil) no tratamento do carcinoma do ânus, mostrou que a resposta foi superior à radioterapia isolada ou cirurgia isolada e sem a necessidade do paciente ficar com colostomia por toda a vida.
No câncer de esôfago os resultados do tratamento combinado ( Radio-quimioterapia ) tem-se revelado superior às formas isoladas de tratamento.
No câncer do colo uterino, os resultados do tratamento sincrônico recém publicados pela New England Journal Medicine revelaram resultados encorajadores.
No câncer da vulva, que é mais comum em mulheres idosas e que portanto não aceitam bem a radicalidade dos tratamentos anteriores, diversos centros têm instituído tratamento semelhante ao do câncer anal, considerando-se a similaridade da etiologia, a localização pélvica, o modo de disseminação e a idade das pacientes, geralmente mais idosas e que não suportam bem o tratamento radical cirúrgico anteriormente preconizado. Nestas pacientes os resultados da Radio-quimioterapia sincrônica têm sido encorajadores e portanto proposto como uma alternativa à cirurgia radical.
No câncer de cabeça e pescoço um estudo de meta-análizes recém publicado por Pignon e colaboradores mostrou uma melhora de 8% na sobrevida dos casos submetidos à Radio-quimioterapia sincrônica. É sabido desde meados da década de 80 que esta associação traz resultados benéficos para estes pacientes , visto que a cirurgia radical, exemplo: laringectomia, glossectomia, etc, resulta em distúrbios permanentes da fala, da deglutição, da gustação e outras alterações da função oral.
No carcinoma do pulmão (não pequenas células) novos trials ou ensaios têm demonstrado que a Radio-quimioterapia sincrônica, nos casos inoperáveis, tem sido melhor do que a radioterapia isolada ou radioterapia seguida de quimioterapia.
Toda esta revolução silenciosa vem acontecendo há poucos anos dentro da cancerologia e modificando dramaticamente, em vários casos, as opções terapêuticas. Hoje sabemos que aquele tratamento cirúrgico ou radioterápico tradicionalmente agressivos, associados ou não, pode não oferecer ou representar mais a melhor opção para a cura.
Concluindo, este é o tipo de revolução que devemos apoiar. Este é o tipo de guerra que devemos incentivar e divulgar. Uma luta contra um inimigo comum, traiçoeiro e mortal, chamado câncer, que tratado a tempo e com as mais modernas armas, será extirpado sem deixar seqüelas.
*Autor: William E. N. Soares, membro da Academia Sergipana de Medicina, International Member of American Society of Radiation Oncology , membro da Comissão de Combate ao Tabagismo da Associação Médica Brasileira e Diretor do Instituto de Oncologia San Giovanni(Aracaju-Se).